sexta-feira, 25 de abril de 2008

Sobres as ruas da metróple
Logo na esquina ele decidiu parar. Ele sabia que deveria parar, ele sabia. Então parou com uma calma aparente, inerte. Ele sabia que deveria parar. As luzes fugazes ascendiam o fim da tarde e tornava quase poético o trânsito intenso, a fuligem e o sinal vermelho que piscava. Ele atravessou a rua, olhou ao redor em busca daquele desconhecido. Ele queria cruzar olhos, sentir fremências que só ele sabia sentir, que só ele escondia para os outros, dos outros. Arrependeu-se de sair do lugar, da esquina. Quis voltar, mas a velha vergonha o incomodava, a vergonha de si, de evidenciar sua indecisão. Olhou para trás, a esquina agora estava já distante e uma angústia aflorava sua atitude de continuar. Foi numa noite, naquela mesma hora. Numa noite turbulenta, talvez uma sexta-feira ou um sábado fútil, daqueles que odiava porque estava só, porque era só, no fundo dele, da sua ausência de si. A garoa cobria galhos, calçadas e um sentimento de insegurança que brotara nele desde o dia em que saiu de Forquilhas. Desde o dia em ousou sair da mesmice do interior, sair daquele mundo detestável das pracinhas, das ruelas, das caras conhecidas. Muito veio à tona depois. Era a fuga, era a insegurança que sempre temeu porque o sentimento dele era diferente. Era maior que aquela cidadezinha deixada, era diferente demais daquelas caras conhecidas, caras de todos os dias.
Quando pisou na cidade grande, um afoito e desordenado vôo, colocou-o nas calçadas desconhecidas, na liberdade que sonhava, que o tornava leve, desconhecido também. E ali naquelas mesmas calçadas, debaixo da garoa daquela sexta-feira ou sábado fútil ele viu pela primeira vez aquele desconhecido. Foi um esbarrão como outro qualquer. Sem pedido de desculpa, sem intenção aparente. O desconhecido apenas olhou por cima do ombro com um olhar de quem sabe segredos turvos, decapitados. Depois da mira, do olhar, do esbarrão, o desconhecido seguiu seu andar firme com porte de homem, fera-bicho. E sobre a garoa, alma embaçada, o outro se viu descoberto, viu-se inocente, envergonhado, despido, julgado e condenado a esconder-se. Isso incomodou porque ninguém havia esbarrado naquela porção que ele mantinha prensada, sufocada nos seus vãos, nos seus desejos. E numa sexta-feira ou sábado fútil, sobre uma garoa incessante, depois de um esbarrão e um olhar, ele não era mais um desconhecido porque outro desconhecido o havia descoberto. Havia-o anulado e tirado-o da sua vergonha de ser maior do que ninguém imaginava. Ele sabia que deveria parar e assim fez durante muito tempo naquela mesma esquina, dias, dias. Esperava o mesmo esbarrão, o mesmo olhar, o mesmo desconhecido que o descobriu sem intenção, sem culpa. Ele queria novamente aquela sensação, aquele frenesi que queimava e espelhava imagens nunca antes vistas. E parou muitas vezes durante a noite, na esquina, no horário certo, à espera do desconhecido, à espera da pontada de desejo de inimagináveis arrepios. E justo hoje, quando ele menos havia pensado, preparado e prevenido, o desconhecido passou com o mesmo olhar revestido de lupas. Com seu andar firme, seu porte de homem, fera bicho. E um vulcão explodiu dentro do outro, porque esperava aquele momento durante incontáveis semanas. O mesmo ritual de espera, de saudade do desconhecido que desconhecia. Ele sabia que deveria parar e manter aquela cena slow motion, presente dentro dele. E um impulso também desconhecido o empurrou calçada abaixo, entre a rua que cruzava o sinal vermelho. E sua ânsia era tanta, sua vontade de quebrar distâncias também que não foi o suficiente para mantê-lo consciente após o acidente. O carro, o choque, a vertigem e a dor (dentro e fora dele). Fios vermelhos escorreram de sues braços, pés, chagas abertas, tumulto de gente. Ele sabia que deveria parar antes de quebrar a regra, a primeira diante de tantas na sua vida, no esmaecido equívoco. Entre náusea e semiconsciência ele viu o desconhecido sobre ele, anjo, miragem e depois o escuro, o nada.

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