terça-feira, 18 de março de 2014

Noite, longa jornada madrugada

Se já não há sol como aquela noite, nem lua, pois a janela estava fechada, sobravam ardentes estalidos de língua e amor na saliva, nos contornos modificados que se tornam dois corpos num só, amálgama desafiador de todo sentimento comum. Quando ainda era madrugada no silêncio da escura penumbra, nada mais restava senão um descobrir e redescobrir arrepios, nucas, cabelos, abraços, pequenos sons incomuns de diferentes timbres, sussurros. Assim nascia pequeno, germinando, um grande afeto misturado com outras emoções infantis, serenas, próprias da ingenuidade dos dois. Para haver amor é preciso estar diante de si para então ter no outro o reflexo dele. Ofegantes assimetrias afogavam forças, suores na batalha de tréguas. E como eram brilhantes, e como se confundiam um no outro por não se parecerem iguais. Eram amantes decididos e isso os tornava semelhantes livres. E houve tempo para pausas, para um ou outro descanso no peito, revirando o ritmo oco de algo pulsante, cinturas abaixo, cinturas acima. Pra quem nunca sentiu um toque sequer desta arte despudorada, esta cena poderia então se encaixar no pecado, na luxúria incandescente da carne que é viva e sedenta. Há quem ignore a sede e apenas pingue água em gotas, sofrendo com securas. Eles eram derramados, erupções líquidas, jorros infindáveis de espera terminada. Silêncio. Cortava-o apenas a poesia incansável deles, em meio a tantos desejos despejados de uma só vez, no lençol junto com o sono acometendo os dois, olhos fechados, grudados no escuro. Dormiram. Esqueceram novamente a luz entrando na fresta da janela, era então outro dia, após outros tantos dias, em um mês contado do primeiro encontro, do primeiro beijo sem jeito, dado as pressas e depois dado calmo na descida da calçada longa, morro abaixo, apertados no muro da casa branca. Olhos abertos, primeiros outros encantos, mãos dadas no alvorecer que correu cedo para também se encantar com todo o brilho deles, agora acordados e transbordados numa noite pura, repetida desde então como sina. Eram dois porque antes sempre haviam sido separados. E nada mais puderam renegar senão o fato de serem agora um. O amor é assim, soa o sonoro pra quem o ouve e emudece o mudo para quem não o soube ouvir. Eles esqueceram os surdos e se encontraram na voz, um do outro, sonoramente amados, um.


2 comentários:

Roger Xavier disse...

Estou a ler em busca de decifrar o indecifrável porque sua escrita se faz literatura promissora. Haveria, aqui, traços (auto)biográficos..? Embora muito pouco saiba eu sobre o autor, tenho a sensação de que há, pelo narrador, um distanciamento seu para suscitar a reflexão daquilo que, enquanto passado, habita a memória, espécie de uma lembrança boa em virtude da das descrições, dos implícitos... ... Não sei o que dizer... não consigo eliminar o autor da obra. Acho que alguém está apaixonado...

Marcos Faria disse...

Quando escrevo nem sempre percebo esses mecanismos de estilo. Agradeço sua crítica.