Texto: Marcos Faria
Direção: Lido Loschi
Personagens:
Miro - Marcos Faria
Santinha - Erica Elke
José: Yuri Hunas
Imagens paradas dos personagens no sertão.
Santinha – Chega de romper mundo deste jeito Miro. Carece de continuar mais não homem. Chega de ter castigo no lombo. Não adianta teimosia no sertão.
Miro – Se risquei rumo para modo de conseguir coisa melhor, não vai ser o sertão que me impedirá.
Santinha – Daqui ainda podemos voltar de fasto.
Miro – Voltar é palavra que nunca traçou significado para mim. E não é agora que vai ser.
Santinha – Vamos para um pouco só pra recuperar o corpo Miro. Tem misericórdia do José, da dificuldade dele. Coitado, não tem mácula nenhuma, nem sabe pra que existe.
Miro – Ta bom criatura. É tempo apenas de um encosto de corpo. Rompendo o entardecer a gente segue travessia.
Santinha monta um lugar para ficar com o José e Miro se coloca em outro lugar.
Santinha (molha o rosto de José com um pouco de água, enxuga cm um pano e deita o menino no colo dela). Lembra Miro, do tempo de fartura. Tempo de colheita e dos cestos cheios de tudo. Da água correndo no riacho atrás da nossa casa. A vida parecia não ter fim. Lembra quando a gente casou. Eu vestida de branco, com coroa de flor na cabeça, e uma vontade danada de juntar laço contigo. A gente dançou até tarde, lembra Miro.
Miro – Deixa de delírio mulher. Não foge do teu redor não se endoidece. A felicidade passa perto da gente pra que? Pra deixar este gosto de amargo depois? Agora eu queria é que tudo desmudasse outra vez. Que eu nem tivesse você e o José e nem vocês tivesse eu. Talvez eu não conhecesse este aperto que tá dentro de mim. Isto não é papel de homem não, trazer pra fuga a mulher e o filho? Que criatura do mau eu sou? De que inferno veio minha alma.
Santinha – Diz isto não homem. Não coloca palermice na boca. Estamos escolhendo nosso lugar no mundo. Culpa sua não foi não. O rio secou por que tinha que ser mesmo. A chuva não caiu por que tinha que ser mesmo. Não adianta ficar remoendo passado não homem.
Miro – Nem pra dar vida a filho eu presto. Carecia dele nascer torto deste jeito. Já não bastava o sertão para colocar a vida dele no desgosto. Tenho vontade de sumir viu. De num ter rumo acompanhado.
Santinha – Abandona teu sonho não Miro. Não foge do certo. A gente tá em caminho. Tem que continuar sem pressa. (José pega sua trouxa a vai brincar longe dos dois, tira seus badulaques e começa a brincar perto de Miro e Santinha).
José – Casa nossa, eu pai mãe. Semente, planta mãe, semente, planta mãe. Pai agora rega com água. Fecha o olho, todo mundo fecha o olho. Espera crescer. Abre o olho, abre o olho. Nasceu muita coisa boa. Cozinha mãe, coloca no prato pra gente comer. Agora é de noite. Coloca a mão na cabeça que vai chover, a chuva cai assim, plim, plim, plim. E molha a gente, a gente gosta de água né mãe? A gente gosta.
Santinha – Diga isso não José. O pai fica chateado. Deita um pouco pra descansar. (Santinha coloca José para deitar).
José – O pai cuida da gente mãe. Ele cuida e bicho não chega perto não. O pai cuida da gente, protege igual cerca.
Miro – Se proteger for esta miséria eu prefiro largar sem proteção mesmo.
Santinha – Vou deitar um pouco com o menino, pra mode de descanso. Quando for hora de continuar caminho me chama.
Miro espera a mulher dormir com o menino, levanta-se com um facão em punho e começa a aproximar-se deles.
Miro – Senhor, eu não sou digno que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo. É melhor terminar a vida por aqui mesmo. Acabar duma vez do que definhar do jeito que ta sendo. Se tiver que ser por minhas mãos, que seja então. Perdoa eu Santinha, perdoa este homem que só tentou ser feliz, perdão José, perdão... (Miro levanta a faca).
José acorda e olha nos olhos do pai.
José – Pai bravo com a gente. Não pode senão Deus castiga, castiga sim, a mãe fala que castiga. Não pode, a gente somos família, família não acaba. (Miro guarda o facão levanta-se e vai para outro lugar).
Miro olha para o céu e reflete, começa a mudar da atitude.
Miro – Deus, porque que existe dor tamanha dentro da gente? Porque que é tudo tão farto em outros tempos e tudo termina pra ser como é agora. Não fiz mal pra qualquer que fosse, num ganhei por desonesto. Segui por retidão. Parece breu Deus, de não enxergar o que vem por diante.
Santinha – Tendo disparate de falar com o vento homem. Qual o remorso desta vez. Vivo deve falar com vivo e esquecer o que é passado. Não convém mexer com coisa que já foi.
Miro – Se já tivesse ido nós não tava aqui neste desalento.
Santinha – Desisti então homem. Vamos voltar de fasto. Vamos tentar a reconstrução. Se achar por direito, eu vou contigo.
Miro – Dorme Santinha. Descansa o corpo porque vem fardo grande pela frente. Não ligue para as minhas deduções. Descansa.
Santinha – Há de haver futuro depois desta terra seca Miro. É só pensar que o início é o caminho mesmo.
Satinha e José dormem. Miro olha para o céu e começa a transformar a sua fisionomia. Pega seu facão e mata mulher e filho.
segunda-feira, 28 de abril de 2008
Sertão
(texto encenado pelos alunos da Casa de Arte e Ofício do Grupo Ponto de Partida)