sexta-feira, 29 de abril de 2011

Para entender um dia cinza




Por Odécio Caligari


A paciência esgotada, junto as olheiras e as poucas e falhas esperanças. Dia terrível, numa memorável e insabida sexta-feira, que por via das dúvidas poderia ser qualquer outro dia. Não que reclame este ou aquele ouvir sereno, colo de mãe quando a maturidade pede auxílio ao que existe de confuso. Deixar a criança morta dentro de si e perceber que o mundo gira por aí feito peão insensível. Desculpa outra. Tremenda. Sei, portanto, que não devo me abster desses ombros de homem, desse acreditar casmurro. Não, hoje Pessoa e eu estamos juntos analisando este ou aquele pesar. E tudo se contorce dentro, cobra enroscada, amassando ossos, sentimentos e um bravio e abafado fio de voz. Tudo brota sem subjugar nada, tudo brota pra fora, escorre nos vãos, sem dedos para apontar. E se fugir fosse possível uma bolha de sabão se tornaria possibilidade de reino. E por esse veio seguem toda a frustração, toda a saudade e toda a forca capitalista que impera nas impossibilidades. De entrega em entrega, de abdicação em abdicação, e nada agradece, e nada move os outros e nada perpassa. Confio, num confiar ainda mais desconfiado. E se pensar em algo mais profundo, quase misturado ao amor, o dia se vai cinza, junto com alguns anos de sua vida que passam por você na rua e te cospem no rosto. E esse cinza não é resto carbonizado, é essência de bruma, é pós que mostra o fim de tudo. Ser cinza é ser o resto, do resto, do resto, do resto... É ser matéria prima para o que nunca virá, porque é cinza. Não sei por que essa confissão me veio tão atordoada hoje. Preferia sair da cama virado bicho selvagem, que devora pai, estraçalha por fome e vive por instinto. Tudo me contrapõe a isso. O fraco dos fracos é ter sentimento mole demais, é fincar expectativa onde não se deve e ao mesmo tempo viver as românticas e sonoras indecisões do tempo e do espaço. É saber que impaciência definha, consome e rasga amiúde. E como tudo pode se tornar outra vez, se reinventar, sobra em mim essa mania tosca de continuar, enredado sempre pelo ir em frente, com os pés em chama, com o coração aberto e um rio caindo dos olhos. Não digo nada ao amor, não digo nada ao sonho, não digo nada a esperança, não digo nada. Calar é saber que a fala nem sempre cura tudo, nem sempre é homeopatia ou engodo. Calar se mostra como fuga, pois sem querer estar na guerra, mete-se o alforje no próprio peito. Por isso calo. Somente a mim me cabem essas dores, é outra roupa sem medida pra quem a vida deu apenas um palitó e nada mais. Olha, eis que vejo uma cor, mas não é verde nem azul, é vermelho, caindo perto das montanhas, como se o céu tivesse ouvido o que disse e rancasse de si um pedaço para mostrar o quanto sangrar é comum. Mais certo ainda é descobrir, antes de voltar a dormir, que ser cinza é para poucos, é para quem sempre acorda quando deveria insistir em dormir, como todos o fazem, em dias cinzas, frios e absurdamente cansados.

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