segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Os cílios do olho do pai



Já não era tão estranha a dança das cabeças dentro do ônibus numa rotineira manhã de sexta-feira. Sol desmaiado e bocejos enlatados. Tive sorte de entrar no ônibus ainda vazio, sorte de quem mora perto do ponto da parada final. Sentado na cadeira ao lado da roleta, observava a numeração pequena na base dela, mudando a cada R$1,80 a menos no bolso da gente que trabalha. Tentava digerir os estranhos que se amontoavam pedindo que o coletivo não parasse mais. A cada ponto um desespero do pobre motorista que sempre encurralava-se entre a possível reclamação que a “chefia receberia caso não parasse” ou então a “guerra de vozes mandando – não para não motô”. A cada solavanco dos buracos que andam engolindo as ruas da cidade eu pairava observando todos os estranhos humanos iguais a mim. No saldo das análises imbecis que me chegavam pelos olhos e pelos ouvidos – reclamações – via que grande parte da revolta que acomete a população vem da extrema e desgratificante carga horária de trabalho - dos patrões incompreendidos e incompreensíveis - do salário mínimo - da exagerada mania de gozar o fim de semana - dos abalos nas relações sociais (mulherxmarido, namoradoxnamorada, amigoxinimigo, mentiraxverdade), culminando com o descaso - “ninguém tá a nosso favor não, neguinho qué furá teu olho com prego”. Em vinte e poucos minutos, às vezes, pode-se entender a filosofia do dia-a-dia alheio num ônibus cheio. Entre uma e outra pressa, na descida e na subida de gente e mais gente nos degraus da porta traseira e dianteira, o mundo pós-moderno cuspia seu exemplo claro de “stress causado por ansiedade”. Me perguntava então: - Corremos tanto atrás do quê?... Quando já me dava por vencido, colocando nos ouvidos os headfones do MP3 – solução encontrada por todos para desligar-se do rotineiro momento presente - vi no banco ao lado o filho de colo que acariciava os cílios do olho esquerdo do pai. Espanto e certo estranhamento. Se um cisco já nos incomoda os olhos imagine o que deve ser alguém puxando seus cílios? E a sabedoria daquela cena me indicou uma paciência serena, porque o pai não ralhava com a pobre criança e muito menos se irritava, bradando os nãos que nos protegem daquilo que nos incomoda. Placidamente, mantinha apenas um olho aberto e o semblante de quem não quer reagir a nada. E assim ficou até a hora de descer do coletivo. Gravou-me então na cabeça esse corte tão indiferente diante da massa coletiva impacientemente revoltada com tantas migalhas inerentes à vida. Durante todo aquele dia, sempre que uma revolta me arrebentava os nervos, puxava meus cílios esquerdos para sentir o que aquele pai sentia. E digo, não é pra qualquer um não viu.

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