Fragmento de texto encenado pela atriz Cléo Fagundes no projeto Teatro na Escola.
Autor: Marcos Faria
Boi, boi, boi, boi da cara preta, pega esse menino que tem medo de careta. Ainda me lembro, a
mãe na porta da cozinha com o taxo na mão olhando os pastos sem fim que rondavam nossa casa. O sol batia forte no terreiro, as galinhas à sombra com as asas abertas, como se pudessem enganar o calor. Em certos dias, quando a mãe cantava essa cantiga, era sinal que o tempo iria virar. O boi existia mesmo, mas do outro lado da cerca, com a cara preta que nunca se viu igual. Eu morria de medo, porque não entendia direito aquele cara brava do boi, me acusando como se eu tivesse feito alguma coisa. Chegar perto da cerca era coisa impossível. Pior era mesmo topar com o boi no meio da estrada de terra. Isso acontecia quando menos se queria. A mãe continuava ali na beira da porta, batendo o taxo que fazia um barulho de doer o ouvido. Tim, Tim, Tim, Tim, Tim, Tim. E o tempo também virava com a cantoria, boi, boi, boi, boi da cara preta, pega esse menino que tem medo de careta. As trovejadas rasgavam o céu com um desejo sem fim. Era hora de me esconder na cama com medo da chuva e da lembrança da cara preta e brava do boi. A mãe continuava na cozinha, batendo o taxo, o boi continuava do outro lado da cerca com a cara brava e eu fazia força pra dormir antes da hora, antes da noite. Quando pegava no sono só ouvia bem longa a mãe cantando, boi, boi, boi, boi da cara preta, pega esse menino que tem medo de careta.