Lembranças


Quando deixei a porta aberta para sua partida
Queria que ficasse a repetição de passos no tapete
Na nossa dança de mãos e vinho
Queria que ficasse seu perfume nos cantos da sala
No meu colarinho
Mas ficou o pó do resto
Ficou a companhia do sentimento vassalo
Ficou a presença dessa música romântica que não cessa
Agora não queria ter mais chaves
A porta fica aberta querendo sua volta
E o torpor me acusa no intervalo das ruminâncias
Pergunta onde está a minha calma
Onde está seu ombro que me retirava da insegurança dos tempos
Onde está o sorriso cafajeste que indicava o assanhamento que a noite perpetuaria
Onde está o cigarro que soprava seu hálito de segredo
Não há mais nada
A alma rola na lama do largado
No sofá vazio e frio
Na flor da pele despetalada
A porta continua escancarada
E eu defino minha sina de espera e esperança
A fechadura treme e sua mão aparece
Você entra como vento polar
Cospe suas desculpas
Pede colo, se rende aos meus caprichos
Promete eternidades e contrastes
Diz que o tempo cura o vazio
Eu , preso nos fios de marionete, repito o mesmo
Calo na precisância do teu corpo
Me rendo à necessidade de ser roubado pelo seu jeito
Mas sei que em meu bolso a chave da porta se esconde
E me liberta quando quero
Me dá em instantes o poder que não é meu
Levanto vestido de nu
Tranco a porta por dentro com direito a todos os trincos possíveis
Olho para seu rosto de espanto
Coloco a chave em meio as minhas pernas
Digo que se for verdade tuas promessas
Que pegue a chave com jeito,
só dessa forma prendo sua liberdade
antes de você partir
só assim você adormece no meu ninho de ave de rapina
só assim você fica a noite toda e dorme seu sono de criança
com manha para acordar no outro dia
mas o adulto acorda primeiro ao invés da criança
pega logo as responsabilidades de ser independente,
tem horários e prazos a cumprir
sai em vendaval
eu pego a chave que ontem era fantasia
abro a fechadura
deixo a porta outra vez aberta para sua partida
e convido o dia para me fazer companhia